O Sinal de Alerta que o Setor Ignorou por Tempo Demais.
Nos últimos anos, o termo quiet quitting ganhou força no debate global sobre trabalho. Não se trata de “preguiça”, “funcionário difícil” ou desmotivação gratuita. É um movimento silencioso — e legítimo — de autopreservação. Ele surge quando o esforço não encontra reconhecimento, quando a cultura de “dar conta de tudo” vira norma e quando o trabalhador entende que ultrapassar o básico não gera retorno emocional, financeiro ou profissional.
No setor de Alimentos e Bebidas, esse fenômeno não só existe como está acelerando. E há motivos reais, documentados por pesquisas sérias:
A hospitalidade é uma das áreas com maior taxa de burnout no mundo (dados Gallup Workplace Report 2023).
No Brasil, o setor de serviços é o mais afetado por jornadas extensas e baixa previsibilidade de horários (IBGE – Pesquisa Nacional de Saúde 2023).
Estudos de clima organizacional mostram que, no A&B, a proporção de trabalhadores que “fazem só o mínimo” está entre 35% e 58%, dependendo do sub segmento (restaurantes, bares, fast food, hotelaria).
Ou seja: Quiet quitting não é conversa vazia — é um fenômeno real. É consequência.
Por que o Quiet Quitting cresce tanto no A&B?
Desalinhamento entre esforço e reconhecimento
O setor exige picos físicos e emocionais intensos: calor extremo, pressão de tempo, carga mental alta, demandas simultâneas, clientes cada vez mais exigentes. Mas o reconhecimento? Na maior parte das vezes, não acompanha.
Dados da OIT mostram que trabalhadores de cozinha e salão estão entre os menos reconhecidos formalmente por desempenho, inovação ou produtividade.
Quando o cérebro percebe esse desequilíbrio, ele reduz energia para evitar exaustão — exatamente o mecanismo citado por psicólogos ao explicar o quiet quitting.
Jornadas extensas e ausência de limites
É comum no A&B trabalhar muito além do contrato:
Horas extras recorrentes
Trocas de turno improvisadas
Falta de folgas regulares
“Vira e mexe dá para ficar mais um pouquinho”
Isso cria a sensação de que não existe fim, e o corpo — inteligente como é — passa a colocar travas.
Quiet quitting, nesse contexto, é sobrevivência.
Cultura de “quem aguenta mais, fica"
Por décadas, o mercado celebrou:
o cozinheiro que trabalha 14 horas sem reclamar
o garçom que cobre três colegas faltantes
o chef que sacrifica a saúde para “não deixar a casa cair”
As novas gerações rejeitam isso. Não porque são frágeis, mas porque são conscientes. Elas buscam:
qualidade de vida
limites claros
saúde mental preservada
ambientes que valorizam pessoas, não é somente produção
Quiet quitting, nesse sentido, é um protesto silencioso contra a autoexploração normalizada no setor.
Quiet Quitting é Falha de Liderança, não de Operação.
Quando uma equipe inteira começa a operar no mínimo, não é “falta de vontade”.É um indicador organizacional que gestores não podem ignorar.
Sinais claros no A&B:
queda na atenção a detalhes
aumento de erros simples
mínima proatividade
silêncio nas reuniões
alta rotatividade
colaboradores “cumpridores de tabela”
Isso mostra que as necessidades básicas — autonomia, propósito, segurança emocional e clareza de expectativas — não estão sendo atendidas.
Impacto Real no Operacional
Pesquisas da McKinsey para o setor de hospitalidade confirmam:
Times em quiet quitting geram até 30% mais desperdício.
Há redução de 20% a 40% na velocidade de execução.
Clientes percebem queda na experiência — afetando diretamente margem, ticket médio e CMV.
Em outras palavras: ignorar o quiet quitting custa dinheiro.
O que Restaurantes e Negócios de A&B Podem Fazer?
1. Reajustar expectativas e cargos
Se o cozinheiro está fazendo o trabalho de três pessoas, não é motivação que falta. É estrutura.
2. Reconhecimento baseado em dados, não em favoritismo.
Feedbacks claros, critérios transparentes de promoção e reconhecimento real.
3. Treinar líderes para liderar — não somente produzir
Grande parte do burnout no A&B vem de gestores formados na prática, mas não na gestão.
4. Reduzir ruído operacional
Procedimentos claros, fichas técnicas organizadas, cronogramas definidos. Funcionário que sabe o que é esperado entrega melhor.
5. Criar ambientes psicologicamente seguros
Onde o colaborador pode falar sem medo de retaliação.
Quiet Quitting é Diálogo, não Demissão Silenciosa.
No fundo, o fenômeno escancara uma verdade que o setor de A&B tentou esconder:
Quando o bem-estar do time é ignorado, as pessoas não explodem. Elas se recolhem.
E esse recolhimento — calmo, educado, profissional — revela uma ruptura profunda entre liderança e equipe.
Quiet quitting, aplicado ao mercado de A&B, não é o fim do envolvimento. É o pedido urgente por modelos mais humanos e sustentáveis de trabalho.
Ignorar isso é perder talentos.
Ouvir isso é transformar operações.
Referências Oficiais
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2023 – Aspectos Relacionados ao Trabalho e Saúde Mental no Brasil.Disponível em: https://www.ibge.gov.br
PNAD CONTÍNUA – IBGE. Jornadas de Trabalho e Precarização no Setor de Serviços – Relatório Técnico.Disponível em: https://www.ibge.gov.br
DADOS DO SETOR DE HOSPITALIDADE (Brasil). Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).Relatórios de Gestão, Clima Organizacional e Tendências 2022–2024.Disponível em: https://abrasel.com.br
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